Após quase nove anos da maior tragédia da história do Rio Grande do Sul – o incêndio da Boate Kiss ocorrido em 27 de janeiro de 2013 – os quatro réus acusados irão a julgamento pelo tribunal do júri no dia 1º de dezembro. O julgamento, que acontecerá em Porto Alegre e tem previsão de duração por cerca de duas semanas, marca os quase nove anos de saudade, luto e pedidos por justiça de familiares e vítimas sobreviventes do incêndio.
Os réus são os sócios da Kiss, Elissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hohhmann, o músico Marcelo de Jesus dos Santos e o produtor de palco Luciano Bonilha Leão. Os quatro réus são acusados pelo Ministério Público (MP) por terem agido com dolo eventual, quando é assumido o risco de matar, pela morte de 242 pessoas no incêndio da boate, e responderão também por 636 tentativas de homicídio, representando o número de feridos no ocorrido. Portanto, serão 242 homicídios simples e 636 tentativas de homicídio.
Segundo informações divulgadas pela Gaúcha Zh, o caso Kiss deve representar o mais longo e emblemático julgamento de toda a justiça do Rio Grande do Sul, devido ao tempo dos debates, o número de vítimas, a carga emocional e toda a complexidade do caso. Já são mais de 18 mil páginas de processo, com 87 volumes e 35 apensos (anexos).
A tragédia
Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, a boate Kiss reunia universitários de vários cursos da Universidade Federal de Santa Maria, entre eles Pedagogia, Agronomia, Medicina Veterinária e Zootecnia. Localizada na rua dos Andradas, no centro de Santa Maria, a boate contava com um público de mil a mil e quinhentas pessoas, mas a capacidade era para 691 pessoas.
Por volta das 2h30min, enquanto acontecia o show da banda Gurizada Fandangueira, um sinalizador foi utilizado pelo vocalista da banda. O sinalizador, de uso externo, soltou faíscas no teto e ali iniciou as chamas na espuma de isolamento acústico da boate. Em cerca de três minutos, uma fumaça tóxica tomou conta do local e deu início à tragédia que mataria 242 jovens e iria repercutir no Brasil e no mundo. A boate, que já foi comparada com um labirinto por policias, contava com irregularidades como, por exemplo, possuir apenas uma porta principal, não ter janelas ou iluminação adequada para emergências.
O incêndio da Boate Kiss, até os dias de hoje, deixa marcas profundas para os sobreviventes que seguem em tratamento e recuperação, para as famílias que perderam um ente querido, para toda Santa Maria e todos aqueles que se sensibilizaram e se solidarizaram com o luto desde o ocorrido, considerado a segunda maior tragédia do Brasil em número de pessoas em um incêndio.
Como funcionará o julgamento
Com a possibilidade de se confirmar como o maior da história gaúcha, o julgamento terá início no dia 1º de dezembro de 2021 e seguirá acontecendo todos os dias até que seja finalizado, incluindo os finais de semana. No júri, serão ouvidas 19 testemunhas, 10 sobreviventes do incêndio e os quatro réus.
Segundo informações divulgadas pela Gaúcha ZH, no tribunal do júri, o Juiz será Orlando Faccini Neto, titular do 2º Juizado da 1ª Vara do Júri da Comarca de Porto Alegre. Pelo Ministério Público, o órgão de acusação será representado pelos promotores David Medina da Silva e Lúcia Helena Callegari, que foram designados para o júri. O Local do julgamento será no plenário do 2º andar do Foro Central I.
No plenário, serão disponibilizados 86 lugares para plateia. Dentre eles, 50 acentos são reservados para a Associação dos Familiares e Vítimas da Tragédia de Santa Maria (AVTSM). Para os familiares das vítimas, será realizado um sistema de rodízio para que o julgamento possa ser assistido pelo maior número e variações de pessoas possível. Para a imprensa, serão reservados 12 lugares. O júri será transmitido ao vivo pela internet pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul.
Reconstrução virtual da boate
A professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) Virginia Vechioli, juntamente com o arquiteto Lucas Oliveira, foram os idealizadores de uma ferramenta virtual que recriou o ambiente interno da Boate Kiss. Após ser apresentada durante uma entrevista coletiva dos promotores que irão participar do júri do caso, o Ministério Público (MP) usará a ferramenta que vai permitir percorrer todo o interior da casa noturna, possibilitando assim demonstrar os problemas existentes na estrutura do local.
O que acontecerá com o espaço da boate após o julgamento
O prédio da Boate Kiss deve se tornar um memorial para as 242 vítimas do incêndio. O projeto do memorial já foi escolhido através do concurso promovido pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil (IAB) e pela Associação de Familiares e Vítimas e Sobreviventes (AVTSM). A demolição do prédio não aconteceu em pedido da associação, pois o espaço da boate poderia ser usado como prova no julgamento. Após o júri o prédio pode ser demolido, mas ainda não há uma data definida.
Netflix fará série da tragédia da Boate Kiss
Nessa terça-feira (23), a Netflix anunciou que irá desenvolver uma minissérie de ficção sobre o incêndio da Boate Kiss. A produção levará o nome de “Todo Dia a Mesma Noite”, baseada no livro da escritora e jornalista Daniela Arbex lançado em 2018 sobre a tragédia de Santa Maria. A previsão é que a minissérie comece a ser gravada em 2022.
Eduardo Matos / Agencia RBS