Lembro muito bem: Tinha 13 anos de idade e estava na 7ª série do Colégio Nossa Senhora das Graças (o Gracinha) em Porto Alegre. Era 1974 (Copa do mundo de futebol). Foi a primeira a ser transmitida em cores pela TV (que diferença das imagens em preto e branco do velho aparelho que precisava de tempo para aquecer as válvulas). Vínhamos de uma esplendorosa vitória em 1970 com Pelé, Tostão, Jairzinho, Clodoaldo e outros gênios, mas ficamos em quarto lugar (talvez tenha sido a primeira vez que éramos dispensados da aula para assistir um campeonato de futebol). Corria do colégio para casa e torcia “pela canarinho”. A Alemanha levou o título em cima de uma Holanda fantástica e que eternizou o termo “Laranja mecânica” com Cruyff e companhia.
Na época uma infinidade de pensamentos rondava a minha existência: O que fazer na ou da vida? Quem sou eu? Da onde venho e para onde vou? (básico). O semblante imberbe e cheio de espinhas, o corpo em crescimento, a mente inquieta, a curiosidade sem limite davam o tom de uma adolescência criativa, rebelde e sem fronteiras. Debaixo do travesseiro, ao dormir, um pequeno rádio de pilha tocava pérolas e artistas que o mundo haveria de consagrar. Dormia e acordava ao som de Feelings – Morris Albert; Na rua, na chuva ou na fazenda – Hyldon; Gita – Raul Seixas e Goodbye Yellow Brick Road – Elton John. Nelson Coelho de Castro e Raul Elwanger viriam depois.
Não sei como (talvez empréstimo de um amigo ou de um professor, ou retirada da biblioteca já que eu era assíduo frequentador) um livro de capa verde caiu nas minhas mãos. Foi o primeiro livro marcante da minha vida. Já havia lido algumas coisas antes, porém a sanha juvenil aguçou meus neurônios e me fez perceber coisas que nunca tinha visto ou lido antes. A forma mágica e deliciosa de narrar fatos, os vocábulos, tais como pinturas, se desenhando na minha cabeça jovem. Era uma narrativa que encetava viagens imaginárias pelo meu cérebro. A sabedoria e a perspicácia que entretinha, consolava, inebriava estava ali. Não eram lições, mas apenas aprendizagens.
O livro era “ANTES DO BAILE VERDE”. A autora era LYGIA FAGUNDES TELLES. Me apaixonei instantaneamente pela escritora e busquei mais títulos. Vieram “Estórias Escolhidas”, “Mistérios” e outros mais. Lygia certamente foi uma das inspiradoras da minha verve leitora (se bem que Érico Veríssimo tem uma ‘mãozinha’ grande nisso). Porém creio que neste momento em que a grande escritora parte para um outro plano nada mais justo do que lembrá-la. Sua trajetória, sua obra, seus escritos, suas frases fazem parte de um repertório que não deve e não merece ser esquecido. Em tempos escassos de reflexão, nada melhor do que recorrer a um livro físico. Tomar a obra. Ler um parágrafo. Passar os dedos entre as páginas. Folhear. Abrir e fechar. Sentir o cheiro do papel impresso. Repousá-lo no ventre, no peito ou debaixo das cobertas. Voltar a lê-lo. Marcar a página.
Confesso que li Lygia pela primeira vez na escada defronte da minha casa. Mesclava as suas estórias com as pessoas que cruzavam na rua. Imaginava os cheiros e misturava com os odores da vida real. Até sentia calor embora a baixa temperatura baixa de julho.
Não sei prestar homenagens mas acredito que a minha memória seja o mais justo e singelo preito de gratidão a uma das pessoas que me ensinou a sonhar, a viver, a ler, a escrever, a amar a literatura. LYGIA FAGUNDES TELLES – IMORTAL – A DAMA DA LITERATURA BRASILEIRA – *19/04/1923 – †03/04/2022. “A beleza não está nem na luz da manhã nem na sombra da noite, está no crepúsculo, nesse meio tom, nessa incerteza”.