Júlio de Castilhos
quinta-feira

23 de janeiro de 2025

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Reportagem Especial: Talibã retoma poder no Afeganistão

Nessa reportagem especial, explicamos do surgimento do grupo fundamentalista até sua retomada ao poder

O início desta semana foi marcado pelos conflitos na cidade de Cabul, no Afeganistão, onde as tropas norte-americanas deixaram o país e o Talibã retornou ao poder. Após algumas horas de cerco, o agora ex-presidente Ashraf Ghani deixou o país, o que permitiu que o grupo fundamentalista retomasse controle do palácio presidencial.  

Isso fez com que, desesperados, muitos afegãos tentassem fugir do país o mais rápido possível. Na mídia, circulavam imagens de cidadãos lotando aeroportos e fugindo em aviões. O tumulto resultou em mortes. 

O SEMANÁRIO REGIONAL explica as consequências das decisões que motivaram a retomada do grupo no país.  

O que é Talibã?

Em pashto, uma das línguas oficiais do Afeganistão, Talibã significa “estudantes”. Denominando um movimento fundamentalista e nacionalista islâmico, o grupo de orientação sunita formou-se em 1994 por ex-guerrilheiros conhecidos como mujahidin, que participaram do confronto com forças soviéticas, com apoio dos Estados Unidos, patrocinados durante a Guerra Fria para “combater o comunismo”.

Talibã chegou ao poder pela primeira vez em 1996, permanecendo até 2001, quando foram expulsos pelos Estados Unidos, acusados de apoio a Al Qaeda, após ataques de 11 de setembro.  

Durante o controle do Afeganistão, o Talibã tinha como objetivo a implementação da lei islâmica Sharia, interpretada de forma extremista. A Sharia, que consente em um sistema jurídico do islã com orientações do Corão, era aplicada com tratamento brutal aos afegãos.

Direitos Civis das Mulheres

Na época da imposição do regime Talibã, as mulheres eram um dos públicos mais afetados. Não era permitido que meninas fossem à escola, e as mulheres não podiam trabalhar ou sair sozinhas sem que estivessem acompanhadas de um membro da sua família do sexo masculino, e mesmo que o fizessem, deveriam sair usando burcas – vestimentas que cobrem o corpo completamente, deixando apenas os olhos à mostra.

As restrições oprimiam mulheres que, não tendo condições de comprar uma burca ou sair com acompanhante, ficarem presas em suas casas. Mesmo as mulheres, que na época possuíam posições reconhecidas, eram obrigadas a usar a burca e vendiam seus pertences para sobreviver.

O governo Talibã promovia o apedrejamento de mulheres que fossem acusadas de adultério, e punições para aquelas que não agiam de acordo com a lei imposta pelo grupo. A Prêmio Nobel da Paz, Malala Yousafzai, foi uma menina que sofreu com os ataques do Talibã em função da sua luta pelo direito à educação para as mulheres.

Malala sobreviveu a um ataque onde foi baleada na cabeça por um membro do grupo quando tinha 14 anos, enquanto ia à escola. Para o Talibã, a educação das meninas é um valor ocidentalizado. Hoje, ativista reconhecida mundialmente, Malala reúne apoios em preocupação com o direito das mulheres no Afeganistão.

O que muda no direito das mulheres com o novo comando do Talibã?

Em entrevista coletiva, o porta voz do Talibã Zabihullah Mujahid, afirmou que o governo irá respeitar o direito das mulheres, desde que dentro das normas da lei islâmica. Outro membro do grupo, Enamullah Samangani, informa que o grupo não deseja que as mulheres sejam vítimas, dizendo que “elas deveriam estar na estrutura governamental de acordo com a lei sharia”. Porém, não foi especificada a maneira com que será interpretada a lei.  

Nesta semana, foi registrado que professores se despediram de suas alunas em universidades, sem previsão de retorno para as estudantes. Até o momento da retomada do comando, o público feminino representava, segundo informações do G1, 27% do parlamento na política. 

Ainda que com os manifestos de uma possível normalidade com o Talibã no poder, os afegãos continuam receosos pelas mudanças que podem vir a mexer com os seus direitos. Segundo a professora de História Árabe da Universidade de São Paulo para o G1, Arlene Clemesha, o discurso do grupo fundamentalista é impreciso e contraditório, o que torna difícil a interpretação de como serão os direitos dos afegãos e principalmente das mulheres daqui para frente.  

– O que a comunidade internacional pode fazer é continuar dando voz para essas camadas sociais, tentar apoiá-las de alguma forma – destaca a professora, informando que na prática é pouco provável que as mulheres possam seguir estudando ou trabalhando.  

Proibições e Obrigações

Durante seu comando, o grupo proibiu a televisão, desportos e atividades recreativas, e obrigaram os homens a deixarem a barba crescer. A opressão do regime se estendeu também ao meio cultural, proibindo filmes, livros ocidentais e destruindo artefatos culturais, como estátuas de Buda. Aqueles que continuavam a consumir produtos da cultura ocidental corriam risco de punição extrema.

As práticas extremistas, execuções públicas e açoitamentos levaram o grupo à condenação internacional.  O regime Talibã defendia os atos religiosos de forma obrigatória, construindo a opressão para o povo afegão com punições severas àqueles que não agissem de acordo com seus dogmas.

De onde é proveniente o recurso financeiro do Talibã?  

O grupo fundamentalista é financiado por pessoas físicas no Paquistão e na Arábia Saudita, contando também com empresários paquistaneses. Estes últimos sofreram sanções da ONU, Estados Unidos, Reino Unido e União Europeia por financiarem o Talibã.

Outra fonte de recurso financeiro é proveniente da milícia, onde são aplicadas taxas para os produtores de ópio (um tipo de narcótico) e recursos de mineração em território afegão.  

A retomada do controle no Afeganistão

Neste momento, o Talibã deseja recuperar o que perdeu após a intervenção americana. Desde a época que foram expulsos pelas tropas dos EUA, o Talibã se refugiou em uma região fronteira com o Paquistão. No decorrer dos anos, o grupo fundamentalista foi ganhando espaço e recrutando seus guerrilheiros.      

Após quase 20 anos de conflitos, em 29 de fevereiro de 2020, o Governo dos Estados Unidos e o Talibã assinaram um acordo em Doha, no Catar, que definia um cronograma para a retirada definitiva das tropas americanas do Afeganistão.

Joe Biden, atual presidente dos Estados Unidos, deu continuidade na decisão de Donald Trump em 2020, acreditando que as forças de segurança afegãs que iriam assumir o controle após a retirada americana. Biden acelerou a retirada das tropas, reafirmando a decisão de encerrar a guerra mais longa do país antes do 20º aniversário dos ataques de 11 de setembro.

Com a maioria das tropas já fora do Afeganistão, já era esperado que o Talibã avançasse sobre Cabul. Porém, a operação aconteceu mais rápida que o previsto.   

Nos últimos dias, as capitais das províncias do Afeganistão não obtiveram resistência suficiente das forças estatais contra o Talibã, as quais foram investidas pelos EUA cerca de US$83 bilhões e 98 mil militares para treinamento e equipamento das forças de segurança afegãs na última década.  

Após o cerco na capital do Afeganistão, o presidente Ashraf Ghani deixa seu país com acusações de ter abandonado a nação. O presidente, por sua vez, justifica a fuga no determinado momento para “evitar um banho de sangue”, afirmando que muitos patriotas seriam martirizados e Cabul seria destruída se ele ficasse.

Ao cercarem Cabul, o grupo afirmou que não avançaria sem uma “transição pacífica do poder”, porém, ao saberem da fuga do presidente, decidiram tomar o palácio.  

Afegãos tentam fugir do país

Com a tomada do palácio presidencial e a fuga do presidente, os afegãos viram a retomada do medo de retorno dos tempos de opressão pelo grupo, o que motivou que se dirigissem ao aeroporto para tentar fugir do país. Na segunda-feira, há o registro de 5 mortes na tentativa de fugirem nos aviões.

Movidos pela esperança de não permanecerem no cenário ameaçador, que não conseguiu subir nos aviões superlotados (um avião militar dos Estados Unidos, o qual tinha capacidade para 100 passageiros, estava abrigando cerca de 600 pessoas), seguraram nas suas partes externas, como asas e rodas. Nas redes sociais, circularam vídeos de pessoas caindo enquanto tentavam se segurar. Segundo o G1, alguns desses aviões desembarcaram na Espanha.   

Mudança de posicionamento do Talibã  

Nesta terça-feira (17), o Talibã anunciou uma anistia em todo o Afeganistão. O grupo pede que as mulheres se unam ao governo, indicando que suas práticas não serão iguais a outra época de comando. Os extremistas informaram que a população deve retomar sua rotina normal com total confiança, pedindo que os funcionários públicos voltem a trabalhar normalmente.

Ainda na terça-feira, lojas reabriram e o povo afegão retoma, a passos lentos, suas rotinas. Porém alguns ainda permanecem reclusos motivados pelo medo, principalmente as mulheres.  

Como será o futuro do Afeganistão? 

Em relação aos demais aspectos populacionais que sofreram mudanças, segundo um portal de notícias do Afeganistão, Shamshad News, a vacinação para Covid-19 foi interrompida no leste do país. Desde que o Talibã tomou o poder sobre a capital, os imunizantes pararam de ser distribuídos pela região. 

Até o momento, de acordo com o portal Our World in Data, o Afeganistão aplicou cerca de 770 mil doses de vacinas contra a Covid-19, representando 0,5% da população. Nesta quinta-feira (19), a população afegã segue passando pelos trâmites do novo comando.

Ainda na esperança de fugir do país, circulam vídeos nas redes sociais de mães entregando seus filhos bebês para miliares no aeroporto de Cabul. Também neste dia 19, o Talibã reprimiu protestos em Cabul, que acabaram em tiros e pelo menos 15 mortes.

Neste momento, o maior temor da população afegã, e também do mundo todo, é a possibilidade da retomada do poder do Talibã trazer à tona os moldes sociais de 20 anos atrás, retrocedendo direitos e impedindo o cessar-fogo da crise humanitária.  

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