Nunca imaginei que estaríamos conversando sobre esse assunto.
Aliás, só imaginei esse tipo de discussão no ensino fundamental, durante as aulas de história, quando o professor Juliano nos contava sobre os tempos sem tecnologia em que os votos eram impressos e precisavam ser transportados em urnas, sendo muito comum a ocorrência de fraudes nas eleições no Brasil.
Como sempre fui desconcentrado, eu divagava enquanto ele falava. Na minha cabeça ele queria se referir a tempos muito antigos, porquê lembro de imaginar carruagens recolhendo as urnas nos locais de votação, das pessoas fazendo a contagem e recontagem dos votos da população do país inteiro e até de imaginar as milícias assaltando as carruagens e levando consigo as urnas que deveriam ir para apuração.
Mas não, meu caros.
Desde o ano de 2019, tramita no sistema legislativo brasileiro a Proposta de Emenda à Constituição n.º 135/19, que torna obrigatório o voto impresso.
De acordo com a Agência Câmara de Notícias, a primeira versão, de autoria da Deputada Bia Kicis (PSL-DF), previa basicamente que “em eleições, plebiscitos e referendos, independentemente do meio usado para registro dos votos, seria ‘obrigatória a expedição de cédulas fiscais conferíveis pelo eleitor’.” No último dia 04, após várias mudanças, o Deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator substituto da proposta, apresentou seu último parecer. “Optou-se por adotar uma nova alternativa: a contagem pública e manual dos votos impressos”, afirmou o Deputado.
Na proposta, que está sendo votada pela Câmara dos Deputados enquanto escrevo estes parágrafos, é possível identificar três características sobre o voto impresso: direito à verificação do voto; apuração exclusivamente manual; e investigação pela Polícia Federal.
O texto garante ao eleitor o direito de “atestar a lisura do pleito”, querendo dizer que, qualquer pessoa, mesmo sem conhecimento técnico, poderá verificar a integridade do sistema de votação, sugerindo inclusive uma alteração constitucional para que o voto possua natureza jurídica de documento público, além de apresentar o procedimento para votação e apuração dos votos no Brasil: exercício do voto; registro do voto, que poderá ser conferido pelo eleitor de maneira impressa; apuração exclusivamente manual diante de eleitores e fiscais de partido, gerando um documento; totalização, que é a soma de tonas as seções; e, por fim, a proclamação pela autoridade nacional.
Um ponto interessante de observar é o fato de que as eventuais investigações de possíveis fraudes ficariam sob responsabilidade da Polícia Federal e não mais faria parte das atribuições do Tribunal Superior Eleitoral, como acontece atualmente.
Esse assunto tem movimentado com força o cenário político brasileiro, tendo em vista o posicionamento de diversas figuras, como o próprio Presidente da República Jair Bolsonaro, que é favorável a aprovação da proposta.
De outra banda, o Presidente do TSE, Ministro Luís Roberto Barroso que em junho de 2021 apresentou o sistema de votação eletrônico a parlamentares se posiciona veementemente contra a PEC n.º 135/19, segundo ele durante uma entrevista coletiva “O voto impresso vai potencializar o discurso de fraude. E vão pedir, como já se pediu aqui, a contagem pública de 150 milhões de votos. E contagem pública só pode ser manual. Então, nós vamos entrar num túnel do tempo e voltar à época das fraudes, em que as pessoas comiam votos, as urnas desapareciam, apareciam votos novos. Nós vamos produzir um resultado muito ruim”.
Nesse sentido, apesar de entender o sentimento daqueles que não confiam no sistema de urnas eletrônicas, não há como negar que implementar um sistema de votação por meio de cédulas impressas “auditáveis” (assim como a votação na urna eletrônica) é retroceder 25 anos de um sistema eficaz em que nunca se identificou um sequer caso de fraude comprovada.
Além disso, não é óbvio? A cédula de papel, a contagem exclusivamente manual, o transporte e até mesmo o armazenamento dos votos são todos fatores que potencializam possibilidades de fraude, porque envolvem fatores humanos e manipuláveis que, com facilidade podem não ser identificados, diferentemente do sistema eletrônico.